quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Lenda das «Mil penas de Tsuru»

 Em Hiroshima existe uma estátua erigida em memória das crianças que morreram vítimas da bomba atómica no Parque Memorial da Paz também conhecida como Torre dos Tsurus.

A ideia surgiu a partir da história de Sadako Sasaki, uma criança vítima de leucemia fruto da exposição à radiação causada pelos ataques a Hiroshima, no Japão. Sadako, nos seus últimos meses, dedicou-se a dobrar 1000 tsurus, em troca de um desejo. 

Deixamos, aqui, a lenda japonesa que afirma que qualquer um que dobre mil tsurus de papel, terá o seu desejo concretizado pelos Deuses...


Conta a lenda que um camponês muito pobre vivia numa cabana humilde e o seu único alimento era algumas verduras que colhia da sua terra cansada.

Um dia, enquanto tentava plantar numa terra mais ao longe por achar menos árida, encontrou um grou com a asa partida. A ave não podia voar em busca de alimento, estava fraca e à beira da morte. O camponês sentindo compaixão por tamanho sofrimento, rapidamente colocou o grou nos seus braços e levou-o para a sua cabana. Cuidou da asinha e, pacientemente, colocou no seu bico algumas sementes. Com o passar dos dias, o grou melhorou porque a bondade do camponês o livrou da morte. Quando ele conseguiu voar, o camponês libertou-o.

Alguns dias depois, uma mulher adorável apareceu na sua cabana pedindo-lhe abrigo por uma noite. O camponês, por ser uma pessoa de bom coração, não negaria esta caridade a nenhuma pessoa. Porém, a beleza daquela mulher fez com que ele acreditasse que deixá-la dormir na sua humilde cabana era realmente uma honra.

Imediatamente após aquela noite, os dois apaixonaram –se e casaram-se. A noiva era delicada, atenciosa e tinha tanta disposição para o trabalho quanto era bonita. E assim eles viviam muito felizes. Mas para o camponês, que já tinha muita dificuldade quando vivia sozinho, ficou muito mais difícil ainda cobrir as despesas que sua nova vida de casado lhe trazia.

Preocupada com esta situação, a esposa disse ao marido que produziria um tecido especial, pois tecer era um trabalho comum para as mulheres nessa época. Ele poderia vendê-lo para ganhar dinheiro, mas ela alertou –o que precisaria fazer o seu trabalho em segredo, e que ninguém, nem mesmo ele, o seu marido, poderia vê-la tecer.

O homem construiu uma pequena cabana nos fundos da casa onde ela trabalhou trancada durante três dias. O marido só ouvia o som do tear a bater. A curiosidade e a saudade que tinha de sua bela mulher fazia com que estes dias demorassem muito para passar.

Quando o som da tecelagem parou, ela saiu com um lindo tecido entre os braços, de textura delicada, brilhante e com desenhos exóticos. A tecelã deu –lhe o nome de “Mil Penas de Tsuru”.

O marido então levou o tecido para a cidade. Os comerciantes ficaram surpreendidos e lutaram entre si para consegui-lo. O vencedor da disputa pelo tecido pagou com muitas moedas de ouro. O pobre homem não podia acreditar que tão de repente a sorte lhe começasse a sorrir. Desde então, a esposa passou a trabalhar no valioso tecido outras vezes. O casal podia, com o fruto da venda, viver em conforto. A mulher, porém, tornava-se dia após dia mais magra.

Um dia, a esposa tecelã disse ao marido que não poderia tecer durante um longo período de bom tempo. A mulher estava muito cansada. Os ossos doíam-lhe e a fraqueza quase a impedia de ficar em pé.

O camponês amava-a muito e acreditava naquilo que a esposa dizia, no entanto, tinha experimentado a cobiça. Tinha contraído algumas dívidas na cidade e pediu para que ela tecesse somente mais uma vez. A princípio ela não aceitou, mas perante a insistência do marido, cedeu e começou a tecer novamente.

Desta vez ela não saiu da pequena cabana no terceiro dia como era de costume, o homem ficou preocupado. Mais três dias se passaram sem que ela aparecesse e isso começou a deixar o marido desesperado.

No sétimo dia, sem saber o que fazer, o homem quebrou a promessa que fizera e espiou a mulher a tecer.

Para sua surpresa, viu que não era a sua mulher que estava a tecer. Arqueada sobre o tear encontrava-se um grou, muito parecido com aquele que o camponês tinha curado.

O homem mal pôde dormir à noite, pensando o que teria acontecido com a mulher que amava. Amaldiçoava-se por ter sido insaciável e praticamente ter obrigado a esposa amada a tecer uma vez mais.

Na manhã seguinte, a porta da cabana abriu-se e o camponês com o coração aos saltos fixou os olhos na porta, esperançoso em ver a esposa sair com vida.

A mulher saiu da cabana com profundas olheiras, trazendo o último tecido nas mãos trémulas. Entregou-o para o marido e disse, “Agora preciso de voltar, tu viste a minha verdadeira forma, sendo assim, eu não posso mais ficar contigo”.

Depois de dizer estas palavras, transformou-se na sua verdadeira forma para em seguida levantar voo exibindo um lindo rasto de pó cintilante deixando o camponês arrependido e lavado em eterna lágrimas.

Adaptado do texto de Maria Rosa (Artigo criado originalmente em 2006).


Principais fontes de pesquisa:

Site/Jornal: The Asahi Shimbun;

Livro: Mythis Legends of Japan de F. Hadland Davis;

Livro: Contes et légendes du Japon de Maurice Coyaud.


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