terça-feira, 1 de outubro de 2019

«História com Palavras»: exercício de escrita criativa

Na sequência da leitura da crónica literária «História sem Palavras», de Maria Judite de Carvalho, os alunos do 9.º A procederam a um exercício de escrita criativa, reescrevendo o texto em que alteraram a perspetiva da autora. O texto passou assim de uma «História sem Palavras» para uma «História com Palavras».

Começamos por apresentar o texto original de Maria Judite de Carvalho, publicado no Diário de Lisboa, a 22 de julho de 1971:

   Desço a rua, entro no metropolitano, estendo à mesma muda as moedas necessárias, aceito o retangulozinho que ela me fornece em troca, desço a escada, espero, paciente, que se aproxime o olho mágico da carruagem subterrânea. Ela chega, para, parte. Lá dentro, o silêncio do mar encapelado, isto é, o de toda aquela ferragem barulhenta, som de não dizer nada. Na minha paragem saio, subo as escadas do formigueiro ou do túnel de toupeiras por onde andei. E sigo pela rua fora - outra rua -, entro numa loja. De cesto metálico na mão (estamos na era do metal) escolho caixas, latas e latinhas, sacos. Tudo aquilo é bonito, bem arranjado, atraente, higiénico, impessoal. A menina da máquina registadora recebe a nota, dá-me o troco. Ausente, abstrata. Verá sequer as caras que desfilam diante de si? Apetece-me dizer qualquer coisa, que o troco não certo, por exemplo. Que me deu dinheiro a mais. Ou a menos. Não digo nada. As máquinas sabem o que fazem. As meninas das máquinas também.
   Tenho, de repente, saudades do bilhete de não sei quantos tostões que dentro de alguns anos deixará de se pedir em elétricos e autocarros a um funcionário com cara de poucos amigos, do merceeiro que não nos perguntará mais como estamos nós de saúde, e a família, pois claro. Saudades do tempo das palavras, às vezes insignificativas, de acordo, mas palavras.
   Volto a casa com as minhas compras, higiénicas, atraentes e silenciosas. Sinto-me no futuro. Não gosto.

E eis a história criada pelos alunos:

   Desço a rua, cumprimento os meus vizinhos, entro no metropolitano, sorrio para a menina que está na bilheteira e digo-lhe "Bom dia!", estendendo-lhe sorridente as moedas necessárias, aceito o retangulozinho que ela me fornece em troca, dizendo-me "Tenha um bom dia", respondo-lhe "Igualmente", desço a escada, espero, paciente, que se aproxime o olho mágico da carruagem subterrânea, metendo conversa com outros passageiros que se encontram na plataforma. Ela chega, para, parte. Lá dentro, o barulho das pessoas a falar era tanto que nem o som de toda aquela ferragem barulhenta se ouvia. Na minha paragem saio, subo as escadas do formigueiro ou do túnel de toupeiras por onde andei, dizendo "Bom dia!" ao ti Manel da banca dos jornais. E sigo pela rua fora - outra rua -, acenando a um ou a outro comerciante, entro numa loja, cumprimentando um funcionário que está à porta. De cesto metálico na mão (estamos na era do metal) escolho caixas, latas e latinhas, sacos, enquanto meto conversa com algum funcionário que está a arrumar mercadorias nas prateleiras. Tudo aquilo é bonito, bem arranjado, atraente, higiénico, pessoal. A menina da máquina registadora cumprimenta-me e pergunta-me como estou, enquanto passa os produtos, recebe a nota, dá-me o troco e continuamos a conversar. Presente, concreta. Ela vê sempre as caras que desfilam diante de si. Dá-me gosto conversar com a menina da máquina. Ela sabe meter conversa com os clientes.
   Terei, futuramente, saudades do bilhete de não sei quantos tostões que dentro de dentro alguns anos se deixará de pedir em elétricos e autocarros a um funcionários simpáticos, do empregado do supermercado que nos perguntava como estamos nós de saúde, e a família, pois claro. Terei saudades do tempo das palavras, às vezes insignificativas, mas palavras.
   Volto a casa com as minhas compras, higiénicas, atraentes e tilintantes, metendo conversa com os vizinhos que estão no café. Não gosto do futuro sem palavras.

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