A aluna Marisa Gregório dedicou-se esta manhã a ler poemas de Manuel Alegre e selecionou o seguinte que considerou especialmente belo:
LUSÍADA EXILADO
Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
meu nome
são três sílabas de trevo.
Há nevoeiro em mim. Dentro de Abril Dezembro.
Quem nunca fui é um grito na memória.
E há um naufrágio em mim se de quem fui me lembro
há uma história por contar na minha história.
Trago no rosto a marca do chicote.
Cicatrizes as minhas condecorações.
Nas minhas mãos é que é verdade D. Quixote
trago na boca um verso de Camões.
Sou este camponês que foi ao mar
lavrou as
ondas e mondou a espuma
e andou achando como a vindimar
terra
plantada sobre o vento e a bruma.
Sou este marinheiro que ficou em terra
lavrando a mágoa como se lavrar
não fosse mais do que a perdida guerra
entre o não ser na terra e o ser no mar.
Eu que parti e que fiquei sempre presente
eu que tudo
mandava e nunca fui senhor
eu que
ficando estive sempre ausente
eu que fui marinheiro sendo lavrador.
Eu que fiz Portugal e que o perdi
em cada porto onde plantei o meu sinal.
Eu que fui descobrir e nunca descobri
que o porto por achar ficava em Portugal.
Eu que matei roubei eu que não minto
se vos disser que fui pirata e fui ladrão.
Eu que fui como Fernão Mendes Pinto
o diabo e o deus da minha peregrinação.
Eu que só tive restos e migalhas
e vi cobiça onde diziam haver fé.
Eu que reguei de sangue os campos das batalhas
onde morria sem saber porquê.
Eu que fiz tudo e nunca tive nada
eu que trago nas mãos o meu país
eu que sou
esta árvore arrancada
este
lusíada sem pátria em Paris.
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