terça-feira, 8 de outubro de 2019

Poema selecionado pela aluna Marisa Gregório

A aluna Marisa Gregório dedicou-se esta manhã a ler poemas de Manuel Alegre e selecionou o seguinte que considerou especialmente belo:



LUSÍADA EXILADO

Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
 meu nome são três sílabas de trevo.

Há nevoeiro em mim. Dentro de Abril Dezembro.
Quem nunca fui é um grito na memória.
E há um naufrágio em mim se de quem fui me lembro
há uma história por contar na minha história.

Trago no rosto a marca do chicote.
Cicatrizes as minhas condecorações.
Nas minhas mãos é que é verdade D. Quixote
trago na boca um verso de Camões.

Sou este camponês que foi ao mar
 lavrou as ondas e mondou a espuma
e andou achando como a vindimar
 terra plantada sobre o vento e a bruma.

Sou este marinheiro que ficou em terra
lavrando a mágoa como se lavrar
não fosse mais do que a perdida guerra
entre o não ser na terra e o ser no mar.

Eu que parti e que fiquei sempre presente
 eu que tudo mandava e nunca fui senhor
 eu que ficando estive sempre ausente
eu que fui marinheiro sendo lavrador.

Eu que fiz Portugal e que o perdi
em cada porto onde plantei o meu sinal.
Eu que fui descobrir e nunca descobri
que o porto por achar ficava em Portugal.

Eu que matei roubei eu que não minto
se vos disser que fui pirata e fui ladrão.
Eu que fui como Fernão Mendes Pinto
o diabo e o deus da minha peregrinação.

Eu que só tive restos e migalhas
e vi cobiça onde diziam haver fé.
Eu que reguei de sangue os campos das batalhas
onde morria sem saber porquê.

Eu que fiz tudo e nunca tive nada
eu que trago nas mãos o meu país
 eu que sou esta árvore arrancada
 este lusíada sem pátria em Paris.

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